CELESTIAL BODIES | Publicação – preview I

EXPECTATIVAS por Lígia Soares e Zofia Tomczyk

Z. Olá, são 23h47 quando te começo a escrever, estou em Poznan, está uma agradável e morna noite de Verão. E, inesperadamente, decido começar a escrever. 

Uma vez ouvi a frase “começa antes de estares pronta”. Jeanine Durning estava a ensinar-nos a sua prática no Stary Browar Nowy Taniec, em Poznan. E repetiu tanto esta frase que às vezes, quando estou em dúvida, ainda consigo ouvir a sua voz, incitando-me gentilmente a deixar-me cair no desconhecido das novas experiências. 

L. Apanhaste-me. Ao ler os teus pensamentos sobre a expectativa, parei de esperar o que quer que fosse para mergulhar imediatamente na concretude da partilha de experiências. 

Z. Expectativas.

L. Usei tantas vezes a noção de expectativa na minha vida, no meu trabalho, usei e abusei dessa palavra, como se não tivesse expectativas de nada, fingindo que era a única pessoa que se sabe resignar. Jogando com o olhar sedento, tão cheio de desejos de todos os outros, como estômagos vazios. 

Estando preparada para tudo e para nada, da mesma forma, sem expectativa no meio a atrapalhar. Apenas sendo aventurosa o suficiente para trazer algum destino para as minhas mãos, mas nunca sendo aventurosa o suficiente para não o tentar agarrar. 

Não esperar, para não perder.

Como um jogo de ilusões e desilusões, alimentado pela necessidade de uma realidade consistente.

Z. A noite passada, quando tivemos a nossa reunião sobre o Celestial Bodies e a Paula propôs este tema como um ponto de partida para a nossa conversa, sorri. No dia anterior, a minha professora Bonnie Buckner também tocou o tema da expectativa.

Aqui estão algumas frases soltas que fui apanhando durante o seu discurso:

Um sonho não é parte do mundo da dualidade, um mundo ancorado no tempo.

Sonhar está para lá disso.

Não está amarrado a construções.

Sempre que se constrói uma imagem de alguma coisa, esta torna-se fixa.

Imagem de família.

Para ver alguma coisa nova, é preciso livrarmo-nos dessa construção.

L. Encontro-me frequentemente em modo de denúncia. Como muitos de nós, tornei-me uma perita da denúncia, em mostrar como todos vivemos longe da verdade e da justiça.

A denúncia como forma de tornar visíveis as brechas da lógica capitalista em que estamos presos, o abandono da razão, do sentimento, do corpo, das pessoas.

Serão os Celestial Bodies capazes de abrir espaço para as novas visões, como aquelas a que chamaste sonhos?

Z. Quaisquer que sejam as construções que temos de amor, família ou relacionamento, trata-se de imagens internas.

O que sonhar faz é colocar-nos num lugar onde podemos ver algo novo.

L. Muitas vezes o ambiente à nossa volta não nos incita a sonhar. De alguma forma, sonhar é um acto disruptivo. Quando é que começámos a temer mais um sonho verdadeiro do que uma realidade falsa? Porque é que a honestidade e a verdade são tão perturbadoras? Porque é que se foge tanto delas? Quando é que começámos a acreditar que precisamos de uma solução, de uma única maneira de resolver as coisas? 

Porque é que rejeitamos os problemas e apenas consideramos as soluções, esquecendo assim de formular todos os problemas que não queremos solucionar? Omitindo? Escondendo? Porquê? Será que nós / sociedade / seres humanos já não estamos dispostos a viver?

Porque é que há tanto medo e desconfiança dos sonhos e tão pouca de uma realidade assente em tão fracos ideais?

Z. Kabbalah. Recebendo.

Sobre a experiência visionária interna.

Sobre o que a pessoa está a receber directamente.

7 anos sem olhar para imagens externas.

L. Quebrar os espelhos.

A ideia de não olhar para as imagens é muito poderosa.

A imagem tornou-se mais real do que a realidade, e a consciência de nós mesmos é mais facilmente construída através das imagens que produzimos do que através das coisas que fazemos.

Z. A dúvida reside num mundo de dualidade.

Sempre que existe um “mas”, existe uma dualidade.

Para sermos grandes sonhadores, temos de abandonar tudo isso e permitir o aparecimento de algo novo.

Porque é que temos essas experiências? Como é que temos essas intuições? Como é que as reconhecemos?

L. Escolher não escolher.

Escolher nada.

Escolher dizer não ao gosto pessoal, ao gosto em si mesmo, à vida pessoal, ousar questionar a noção do que é pessoal. E, mesmo assim, sem a desculpa do “é pessoal”, não ser nunca julgada pelos outros.

Z. Eu permito-me.

Abandono o medo.

As nossas almas estão sempre conectadas.

Viajando para cima e para baixo.

Aprender a imaginar.

Paz.

Que visão é essa?

A responsabilidade em dar-lhe uma forma tangível.

A fantasia está ligada ao pensamento.

Imaginação? Ela surge.

Vais ficar na dualidade?

Um corte na árvore da vida.

Abandona o pensamento de que “não é possível”, abandona o pensamento “espero que venha a acontecer”.

Fica presente. Permitindo que o que acontece aconteça e respondendo a isso.

Percebendo.

Sentindo.

Esta noite caminhei pela cidade.

Permitindo que as coisas viessem até mim.

Passando através de mim.

“A expectativa –

leva à decepção. Se não esperares algo grande, enorme e emocionante…

Geralmente…

Bom, não sei…

É só, ah sim…”

No momento em que decidi escrever-te também me lembrei desta letra. É de um álbum chamado Lost and Safe e a canção chama-se “Smells Like Content”. Talvez a possas pôr a tocar enquanto lês a minha carta?

L. Assim o fiz.

Z. Equilíbrio.

Repetição.

Proposta.

Espelhos.

L. Acima de tudo, o mundo é um lugar onde as partes dos todos são descritas.

Z. Expectativas.

Todo dia é um bom dia, diria o taoista.

Recentemente, tenho lido livros de Arnold e Amy Mindells. Eles estão desenvolver uma coisa chamada psicologia orientada para o processo. As bases do seu trabalho podem ser encontradas principalmente nas obras de C.G. Jung, no taoísmo, na física quântica e no xamanismo.

Processo.

O caminho faz-se ao caminhar.

Deixar-se ser movido, ao invés de mover.

Curiosas explorações das experiências.

E.

Começar sempre no momento em que estamos. 

Isso leva-me de volta à Jeanine.

Começa.

Começa antes de estares pronta.

Mantém-te presente e descobre no caminho.

L. Antes e depois.

Um acontecimento, um caminho.

As minhas expectativas e as de todos os outros, o Celestial Bodies e todos os outros contextos, as minhas expectativas repetem-se, e mostram-se sempre assentes no mesmo: qualquer coisa que valorize a vida em oposição ao capitalismo.

A minhas expectativas são sobre qualquer actividade que possa libertar os seres humanos de toda a demagogia que coloca alguns de nós e a nossa acção num lugar de mérito e reconhecimento e todos os outros num lugar sem valor.

Z. Regressando à Bonnie.

Houve muitos momentos na minha vida em que as coisas que eu desejava acabaram por acontecer de uma maneira que eu não teria imaginado. É interessante como os indivíduos às vezes podem estreitar as experiências por as verem como imagens fixas de como algo devia acontecer, como fantasias, ideias, etc.

Praticando ficar no momento presente.

É uma prática.

L. Que bom poder viajar para frente e para trás através da tua escrita sentindo sempre a tua presença.

Z. É isto.

É o que é.

E é suficiente.

L. Obrigada.

Z. Acho que por agora é tudo.

Já são 00h29.

E sinto que preciso dormir.

Considero esta mensagem como uma entrada e veremos se desperta algo em ti.

E talvez esta noite sonhemos algo sobre a nossa partilha?

L. Adiei a minha resposta todos os dias, pelo facto de nunca me sentir totalmente presente, pois a minha vida é tão cheia de interrupções. O facto de nunca me ter sentido suficientemente preparada para te responder, levou-me a reler a tua mensagem todos os dias durante quase duas semanas.

Z. Abraço,

L. Até muito breve,

Z. Zofia

L. Lígia


EXPECTATIONS  by Lígia Soares and Zofia Tomczyk

Z. Hi, it’s 11:47 p.m. when I start writing to you, I’m in Poznań, it’s a lovely warm summer night. And quite unexpectedly I decide to start writing.

I once heard the sentence “start before you’re ready”. Jeanine Durning was teaching us her practice at Stary Browar Nowy Taniec, in Poznań. She actually repeated it so many times that once in a while, when in doubt, I can still hear her voice, gently pushing me to plunge into unknown experiences.

L. You caught me. Reading your thoughts about expectations, I stopped expecting whatsoever and immediately dived into the concreteness of shared experiences.

Z. Expectations.

L. I’ve used the concept of expectation so often in my life and work, I’ve used and abused the word, as if I had no expectations about anything, pretending I was the only person who knew how to resign herself. Playing with other people’s eager gaze, so filled with desire, like empty stomachs.

Being equally prepared for everything and nothing, with no expectations getting in the way. Simply being adventurous enough to bring some destiny into my hands, but finally never adventurous enough so as not to try and grab it.

Don’t expect, so you won’t lose.

As in a game of illusions and disillusions, fuelled by the need of a consistent reality.

Z. Last night, when we had our meeting about Celestial Bodies and Paula proposed this theme as a starting point for our conversation, I smiled. The day before, my teacher Bonnie Buckner had also brought up expectations.

Here are a few random sentences I retained from her talk:

A dream isn’t part of the duality world, a world bound to time.

Dreaming is beyond these things.

Not tethered to constructs.

Whenever an image of something is made, it becomes fixed.

An image of family.

To see something new, get rid of that construct.

L. I usually find myself in denouncing mode. Like many of us, I’ve become an expert in denouncing, in showing how we all live away from truth and fairness.

Denouncing as a way to make visible the cracks in the capitalistic logic we are stuck in, the abandonment of reason, of feeling, of body, of people.

Will Celestial Bodies open some space for new visions, like the ones you called dreams?

Z. Whatever constructs we have of love, family, relationships, those are internal images.

What dreaming does is put us in a place where we can see something new.

L. Quite often our environment doesn’t encourage us to dream. Is dreaming somehow a disruptive action? How did we start fearing a truthful dream more than a fake reality? Why are honesty and the truth so disturbing? Why do people run away from them? When did we start believing that we need a solution, a single way of solving things?

Why do we reject problems and only consider solutions, thus forgetting to phrase all the problems we aren’t willing to solve? Omitting? Hiding? Why? Are we / society / human beings not willing to live anymore?

Why is there so much fear and distrust of dreams and so little of a reality based in such weak ideals?

Z. Kabbalah. Receiving.

About inner visionary experience.

About what the person is directly receiving.

7 years of not looking at outside images.

L. To break the mirrors.

The idea of not looking at images is very powerful.

The image has become more real than reality and the consciousness of ourselves is more easily built through the images we produce than through the things we do.

Z. Doubt lives in a world of duality.

Whenever there is “but”, there is duality.

In order to be great dreamers, we have to abandon all that and allow for something new to arrive.

Why do we have those experiences? How do we have those intuitions? How do we recognize them?

L. To choose to not choose.

To chose nothing.

To choose to say no to personal taste, to taste itself, to personal life, to dare and question the notion of what personal is. And even then, without the ”it’s personal” excuse, never being judged by others.

Z. I allow myself.

I abandon fear.

Our souls are always connected.

Travelling up and down.

Learning to imagine.

Peace.

What vision is that?

The responsibility of giving it a tangible form.

Fantasy is connected to thought.

Imagination? It arises.

Are you going stay in duality?

Cut through to the tree of life.

Abandon the thought “it’s not possible”, abandon the thought “I hope it will happen”.

Stay present. Allowing whatever happens to happen and responding to that.

Sensing.

Feeling.

Tonight I walked through the city.

Allowing things to come to me.

Passing through me.

“Expectation –

leads to disappointment. If you don’t expect something big huge and exciting…

Usually…

I dunno…

Just, uh yeah…”

The moment I decided to write to you I also recalled these lyrics. They’re from an album called Lost and Safe, and the song is called “Smells Like Content”. Maybe you could play it while reading my letter?

L. I did.

Z. Balance.

Repetition.

Proposition.

Mirrors.

L. Most of all, the world is a place where parts of wholes are described.

Z. Expectations.

Every day is a good day, the Taoist would say.

Recently I’ve been reading books by Arnold and Amy Mindells. They are developing something called process-oriented psychology. The roots of their work can be found mostly in C.G. Jung’s works, Taoism, quantum physics and shamanism.

Process.

The path unfolds while walking.

Letting oneself be moved, rather than moving.

Curious explorations of experiences.

And.

Always starting where we are at the moment.

That brings me back to Jeanine.

Start.

Start before you’re ready.

Stay present and discover on the way.

L. Before and after.

An event, a way.

My expectations and everyone else’s, Celestial Bodies and any other context, my expectations repeat themselves, and are always based on the same thing: anything that values life as opposed to capitalism.

My expectations are about any activity that might free human beings from all the demagoguery that places some of us and our actions in a place of merit and recognition, and all the others in an unworthy place.

Z. Coming back to Bonnie.

There have been many moments in my life where the things I desired eventually happened in a way I hadn’t imagined they would. It’s interesting how individuals can sometimes narrow the experiences by seeing them as fixed images of how something should go, as fantasies, ideas and so on.

Practicing staying in the present moment.

It’s a practice.

L. It’s great to be able to travel back and forth through your writing and always feeling your presence

Z. This is it.

It is what it is.

And this is enough.

L. Thanks.

Z. Maybe that’s it for now.

It’s already 00:29 a.m.

I feel I need to sleep.

I consider this message an entry point, and let’s see if it stirs up something in you.

And maybe tonight we’ll dream something about our exchange?

L. I postponed my answer everyday due to the fact that I never feel fully present, as my life is so full of interruptions. That fact that I never felt ready enough to answer you made me reread your message everyday for almost two weeks. 

Z. Hugs,

L. See you very soon,

Z. Zofia

L. Lígia