Áudio do percurso em criação interrompido pela quarentena em Março de 2020.
Disponível aqui: https://soundcloud.com/user-463283666-934229123/terra-nullius
Faz hoje 43 dias que eu e o João Bento estivemos juntos pela última vez. Andávamos a imaginar um tsunami que varria a Praça D. Pedro IV, transformando tudo em água.
Este evento prodigioso faria parte do projeto Terra Nullius, que começou a ser criado há dois anos na Islândia e lentamente está a migrar para cá, para Portugal, para o Teatro Nacional D. Maria II. Um projeto que transborda do espaço do teatro, ocupando a geografia urbana da cidade e o espaço virtual de discussão e pensamento. Há 43 dias o João Bento e eu estávamos a ensaiar a caminhada que seria feita em conjunto por um grupo de pessoas no Dia Mundial do Teatro. Começámos na praça do Rossio, junto à fachada do Teatro Nacional D. Maria II, onde agora se lê “Olá, Humanidade”, depois atravessámos a praça lentamente e entrámos na Baixa, pela Rua dos Sapateiros. Na Rua da Assunção, junto ao elevador de Santa Justa, virámos à esquerda e continuámos a descer pela Rua Augusta até atravessarmos o Arco e mergulharmos na Praça do Comércio. Atravessámos a praça dando-nos conta pela primeira vez do barulho que os nossos pés fazem ao caminhar naquele piso e, depois da última passadeira de peões, chegámos finalmente à margem do Rio Tejo. No caminho, algumas pessoas interpelaram-nos, outras olhavam só para nós tentando perceber o que faziam aquelas duas criaturas ligadas por fios com headphones e uma coisa que parecia ser um grande microfone.
Entretanto o tsunami chegou mesmo, sob a forma de uma doença, que nos obrigou a ficar fechados nas nossas casas, deixando a Baixa da cidade completamente vazia e tornando o invisível do dia-a-dia mais visível do que nunca. E a caminhada que preparávamos para o dia 27 de março nunca aconteceu. A nossa onda gigante está suspensa, congelada no momento mesmo antes de rebentar sobre a cidade.
Gostávamos que ouvissem a cidade como estava nesses dias e a imaginassem como está agora. Alguma coisa tem de acontecer entre esses dois pontos. Só ainda não sabemos o quê.
(Paula Diogo, Lisboa a 23 de Abril 2020)
About TERRA NULLIUS.
Audio of the walk in progress, interrupted by the lockdown in March 2020.
Available at: https://soundcloud.com/user-463283666-934229123/terra-nullius
It has been 43 days since João Bento and I were last together. We were in the process of imagining a tsunami sweeping over Praça D. Pedro IV, turning everything into water.
This prodigious event would be part of the Terra Nullius project, which started being created two years ago in Iceland and is slowly moving here, to the D. Maria II National Theatre in Portugal. A project that overflows the space of the theatre, occupying the city’s geography and the virtual space of discussion and thought. Forty-three days ago João Bento and I were rehearsing the walk that would be done by a group of people on World Theatre Day. We started in Praça do Rossio, next to the facade of the D. Maria II National Theatre, where we can now read “Hello, Humanity”, then we slowly crossed the square and entered Baixa, through Rua dos Sapateiros. In Rua da Assunção, next to the Santa Justa elevator, we turned left and continued down Rua Augusta until we crossed the Arch and plunged into Praça do Comércio. We crossed the square, noticing for the first time the sound that our feet make when we walk on that pavement and, after the last pedestrian crossing, we finally reached the bank of the Tagus River. On the way, some people questioned us; others just stared at us trying to understand what those two creatures connected by wires with headphones and what looked like a big microphone were doing.
In the end, the tsunami did arrive in the form of an illness, forcing us to remain confined to our homes, leaving the downtown area completely empty and making the invisible of everyday life more visible than ever. And the walk we were preparing for March 27 never happened. Our giant wave is suspended, frozen in the moment before it breaks over the city.
We would like you to hear the city as it was in those days and to imagine it as it is now. Something must happen between these two points. We just don’t know what yet.
(Paula Diogo, Lisbon, April 23, 2020)