SHAMPOO [autobiografia do chão] | em criação

SHAMPOO [autobiografia do chão] / SHAMPOO [autobiography of the floor]

de/by Renato Linhares

em diálogo com / in dialogue with Paula Diogo

Hoje de manhã eu estava mexendo numas caixas entulhadas em cima do armário e encontrei uma porrada de fotografias antigas. Numa delas eu estou com uma medalha de ouro pendurada no pescoço, vestindo um fraque cor de rosa choque e uma calça de lycra branca. Fui campeão brasileiro de patinação artística em 1995, aos quatorze anos.  Mas o que me assaltou a memória não foi essa competição e sim a do ano seguinte, de que eu não tenho registro fotográfico nenhum. Lembro que a expectativa era grande, e que o silêncio, antes de entrar na quadra, parecia alucinar minhas moléculas. Quando a coreografia começa eu penso que o ar resiste de maneira suave à expressão do meu contorno no espaço. É chegada a hora do primeiro salto, e como um romancista que perde o sentido de escrever um livro logo no começo do livro, me deparo com a primeira queda. No exato momento do impacto do meu corpo contra o chão sou tomado por uma calma brutal, desconhecida até então, um movimento interno de resignação absolutamente oposto ao ato que produz adrenalina, que faz o animal urrar, correr, matar a caça e vencer. Eu fui caindo, caindo, caindo, a cada giro, a cada tentativa, a cada truque, e quanto mais eu errava mais calmo eu ficava, e quanto mais tranquilidade eu encontrava, mais eu caia. Nesse dia tomei a queda pelas mãos, me agarrei a ela, fui com ela até o fim, desmoronando e me apaixonando pouco a pouco, e irreversivelmente, pelo chão.

Renato Linhares

SHAMPOO [ autobiografia do chão ] é uma performance que acontece quando a noite cai. Sobre rodas, o coreógrafo e patinador brasileiro Renato Linhares (acompanhado pelo músico Ricardo Dias Gomes) desliza do dia para a noite, de fora para dentro de suas memórias. Entre 08 e 19 de Julho, SHAMPOO estará em criação na Biblioteca de Marvila e no Clube Oriental, em Lisboa.

+INFO

fotos @João Tuna

SHAMPOO [autobiografia do chão] é financiado por Direção Geral das Artes – República Portuguesa.