Paula Diogo e Lígia Soares conhecem-se desde os anos 1990, em criações da emblemática companhia Sensurround, de Lúcia Sigalho. O tempo foi passando e foram-se cruzando pontualmente no trabalho de uma ou de outra. Hoje são as autoras de O PALÁCIO. Para dar vida a este O PALÁCIO começaram por angariar objetos com um anúncio público que lhes fez chegar uma quantidade de “recheios de casa” que agora se acumulam no Teatro do Bairro Alto, numa passagem efémera, como é da natureza própria de todos os objetos artísticos performativos. Depois, quando terminar a careira do espetáculo, são doados a instituições de solidariedade social. Para as duas, a acumulação de objetos faz daquele teatro um depósito, imagem com forte carga simbólica que não há muito tempo foi isso mesmo: quando a Cornucópia, de Luís Miguel Cintra, que ali estava instalada, fechou portas (2016), tudo foi posto à venda. “Viemos todos escolher pecinhas que iriam ficar esquecidas”, lembra Paula. Agora, o Teatro é um depósito efémero onde objetos e pessoas ocupam temporariamente o espaço, sem grande distinção entre os dois. As pessoas vão andar de um lado para o outro, assim como as coisas. Essa foi outra ideia de arranque da peça: criar um espetáculo em que o público não estivesse passivo e confortável a ver, à distância, o que acontece. “Estamos a olhar para os objetos para lá da nossa necessidade de posse”, explica Lígia. “As coisas correspondem a ideias, funções, respondem a necessidades. Não são coisas estanques que pertencem a alguém e que, quando essa pessoa morre, permanecem no seu lugar. Existe um movimento ou pelo menos a noção de que os objetos fazem parte de um movimento e não apenas de um lugar. Só não passam de mão em mão por causa da escala. É uma dimensão maior, são maioritariamente móveis, por isso são mudanças. É quase como arrastar montanhas.”
Cláudia Galhós, para o Jornal Expresso em 07/09/2022.
foto @João Tuna